domingo, 10 de fevereiro de 2008

AOS MANOS E MANAS por Edson da Luz(Azagaia)


Eis aqui uma intervencao social digna de realce


Quando a comunicação social anunciou o recorde do preço do barril de petróleo, já se adivinhava uma nova subida do preço do combustível no nosso país o que causaria um agravamento de preços de produtos básicos. A seguir a comunicação social veio e confirmou os receios de todos nós, o combustível ia subir, o pão ia subir, e pior que tudo isso... o chapa ia igualmente subir, ora... ninguém estava a espera desta, talvez porque fosse inconsebível para um moçambicano que ganha o que ganha pensar sequer na hipótese do chapa subir. Bem..., o chapa ia subir mas discutia-se ainda para quanto ( o governo e os transportadores), as propostas eram tão absurdas que ou preucupavam-nos muito ou faziam-nos rir, veja-se esta: de 5Mt à 7.5Mt para14.5Mt à 19Mt se não estou em erro, uma subida na ordem de mais de 100%... he he he.. eramos nós a rirmo-nos da vida ou a vida a rir-se de nós.
Depois do tal braço de ferro entre os chapeiros e o governo, chegou-se a marca de 7.5Mt à 10Mt ( bem, há quem diga que aquelas propostas absurdas eram só para o governo se fazer passar por heroi baixando tudo aquilo...bocas!). Estavamos nas vésparas do fim de semana longo do Dia dos Heróis, e devido a tranquilidade que se vivia(embora alguns depoimentos que passavam na TV indicarem um desespero do povo) pensava-se: ou as pessoas conformaram-se, ou estão tão desnorteadas que nem sabem que fazer.
Na segunda-feira dia 4, circulavam algumas sms sobre uma possível greve no dia seguinte, dia em que entrava em vigor a nova tarifa, mas...duvido que se tenha levado à sério dada a passividade que nos é característica. Terça-feira dia 5, pela manhã, estava eu fora de casa a fazer os meus exercícios matinais quando começei a ouvir rumores duma greve que estava a acontecer na periferia... será?...recebia varias sms que reportavam o mesmo, e só quando o meu companheiro Keleza ligou-me a dizer que estava a presenciar a confusão, é que eu me dei conta da seriedade do assunto. Diziam que estava a ser transmitido em directo pela TV, nem mais...corri de imediato para casa e pelo caminho (na zona da baixa) notei um certo alvoroço nas ruas e...sim senhora! Estava a acontecer mesmo, o povo se rebelava contra a nova tarifa, aquilo foi o que se viu, nenhum chapa estava autorizado a circular e eu mesmo presenciei um deles a ser apedrejado pelo povo. Coisa igual há muito que não se via, lembro-me de algo pior no ano de 1992 se não me falha a memória e pelo mesmo motivo, o povo literalmente destruiu a cidade.
O povo queria destruir tudo que fosse sinónimo de riqueza e bem estar, carros, lojas, bancos, e não escaparam as bombas de gasolina e padarias. Grande cagaço...o pessoal da classe média e alta nem punha o nariz fora de casa, o povão estava dicidido. O governo reagiu de forma cobarde, mandou os seus cães de guarda, a nossa famosa policia que foi lá e fez o que melhor sabe fazer, vilolentou o povo, tiros para o ar com balas de borracha para disperçar o povo rebelde...tiros para o ar? Balas de borracha só? Bem, o que se sabe é que houve vitimas mortais desses tiros, quem paga? Isso é outra história. E por aí à fora...não quero aqui fazer um rescaldo, era só para lembrar.
Agora, o que me fez escrever este texto é facto de eu ter feito uma música sobre estes acontecimentos e a coragem heróica do povo. Povo...afinal quem é o povo? Sabe... eu que julgava saber muito bem a resposta para esta pergunta, confesso que na terça-feira fiquei em dúvida, isto porquê...ora vejamos: ouvi muita gente conhecida a dizer que o povo está fazer greve mas com uma expressão de claro distanciamento, curiosamenete esse discurso vinha de pessoas da classe média e alta que provavelmente não se encomodavam assim tanto com a subida dos chapas...perdoem-me se me engano. Eu penso que se dependesse da classe média não haveria greve nenhuma, reclamariamos sim nos corredores do serviço, nos murros dos prédios, na segurança dos nossos lares mas não passaria disso. E foi enjoado com essa apatia que liguei para o Keleza e disse-lhe claramente que nós tinhamos que nos manifestar, mostrar a nossa posição, afinal de contas somos povo não somos?! Para a minha felicidade e conforto ele concordou imediatamente, nós como artistas também somos povo e temos que mostrar a nossa posição perante este problema que também é nosso, estavamos no momento cheios de emoção mas vazios de estratégias, mas iamos pensar...surgiu à tardinha a ideia de convocarmos outros artistas e nos dirigirmos a imprensa, aproveitariamos a conferência de imprensa que seria dada pelo governo naquela tarde, mas depois achamos melhor esperar pelo pronunciamento do governo para reagirmos, o Joe votou para esta posição e ficamos à espera, mas nunca mais se ouvia algo da comunicação social, o que só veio a acontecer à noite na hora do telejornal.Durante a manhã e a tarde eu recebia varias mensagens de pessoas a pedirem-me para escrever uma música sobre a greve, ligaram-me outras a dizerem que eu já devia ter preparado uma bomba para a ocasião, mas eu à principio não queria ser o ladrão feito pela ocasião e quase que nem considerei essa hipótese, pensava para mim que seria demasiado óbvio, inclusive o meu companheiro Izlo fez o mesmo comentário, que o tema cansaria as pessoas...política e mais política. Estava convencido de que não ia escrever nada sobre o assunto até que vendo o tempo passar e confrontado com a triste realidade de ninguém para além do povo da periferia se “pronunciar” sobre o assunto, decidi começar a rabiscar qualquer coisa só para libertar o desejo de me manifestar. Não estava certo se gravava aquilo...estava puro, vinha do fundo meu coração mas...receava ser demasiado óbvio e previsível...QUE SE LIXE A PREVISIBILIDAE!!!!!!! Eu é que não vou ficar alheio a isto, pensem o que quiserem pensar, chamem-me os nomes que me chamar, oportunista, comercial, o rapaz dos desabafos ou sei lá o quê! Mas antes de me apelidarem, perguntem-se onde voçês estavam, o que estiveram voçês a fazer quando o povo da periferia estava a manifestar-se. A greve resultou, mas não resultou apenas para os que arriscaram as suas vidas nas ruas, resultou também para ti que estavas a curtir o fim de semana que se prolongou, tu que estavas a fazer piadas sobre os que se entregavam de corpo e alma à luta, tu também vais pagar 5Mt e 7.5Mt no chapa e não 7.5Mt e 10Mts, e de certeza vais poupar um pouco mais e vais respirar de alívio. As várias associações da sociedade civil não mostraram a sua posição, os músicos, os escritores, e todos que seriam afectados directa ou indirectamente pela subida dos chapas. Detestei essa falta de organização nossa, esse distanciamento, podiamos ter feito mais, podiamos ao menos ter sido mais solidários e mostrado a nossa união. Eu fiz humildemente esta música para mostrar a minha solidariedade, podia ter feito mais reconheço, mas cada um na sua frente. Eu uso a música para lutar e tu??
“Povo no poder” é uma música de celebração do poder do povo, júbilo e glória, quero dedicá-la em especial aos que perderam a vida nesta greve vítimas da nossa polícia, esses para mim são verdadeiros heróis, dignos de repousarem na cripta dos nossos corações, com a chama sempre acesa. POVO NO PODER!!!!...”.

3 comentários:

Júlio Mutisse disse...

Ilustres Lázaro e Edson,

Tenho para mim (como já foi dito por muitos), por situar-se entre os extremos - ricos/pobres - historicamente, a classe média tem exercido o importante papel de sustentação do equilíbrio saudável da sociedade, recebendo e absorvendo os choques e pressões, bem como contribuindo para os dois pólos. Aos ricos, ajuda a construir seu progresso; aos pobres, participando com a convivência, com ajuda directa e, também, indirecta pela criação dos empregos gerados pelos ricos.

É confortável a situação sócio-econômica daqueles países que têm uma classe média densa e equilibrada. Partindo deste pressuposto me questiono se é que temos uma classe média que funcione como esse pêndulo entre ricos e pobres em Moçambique? Esta dúvida me acompanha faz já muito tempo.

Mas a que propósito vem esta lenga lenga? Respondo: da afirmação do Edson nos termos da qual "curiosamenete esse discurso vinha de pessoas da classe média e alta que provavelmente não se encomodavam assim tanto com a subida dos chapas...".

Existe esta classe? Que ideais defende? Está (mais) próxima de qual dos polos? Dos ricos ou dos pobres? Existindo, será que a tal classe média nacional desempenha o papel que Franklin Carvalho (http://www.sindjufeba.org.br/artigos/2007/08/classe-media-jaula.pdf) atribui à classe média que é de "manter os miseráveis sob controle, seja pela caridade, seja pela apropriação dos instrumentos políticos, para o seu bem e para o bem dos ricos, que fabricam o que ela consome."? Não sei. Tenho dúvidas.

ENTENDAM POR FAVOR QUE NÂO TEM NADA A VER COM A RECUSA ou o rebate da ideia de que alguns se distanciaram dos tumultos. Tem apenas a ver com a necessidade de clarificar a existência ou não deste filtro que é a classe média.

Sobre o distanciamento em relação aos acontecimentos do dia 5 é necessário analisar duas vertentes: a dos que de facto reivendicavam a subida do chapa que têm o meu apoio e a dos que saquearam lojas cujos donos sofrem igualmente com as constantes subidas dos preços dos combustíveis.

O que o ilustre Edson chama de "sinónimo do bem estar", em muitos casos, garante o pouco com que muitos concidadãos nossos enfrentam o desafio de se sustentar a si e aos seus. Olho para a loja saqueada no Xikelene (se não estou em erro quanto a zona) com tristeza; não só pelos prejuízos para o(s) seu(s) dono(s) mas, fundamentalmente, pelo risco em que estão os empregos (directos e indirectos) de muitos que dependiam do seu funcionamento. Falar dessa loja é falar de carros queimados, distruídos etc, que não poucas vezes, garantiam o sustento de muitos que como MUITOS manifestantes têm de apanhar chapa.

Sobre a manifestação popular entendo-a, no geral, como uma das formas que o povo tem de dialogar com o poder, demonstrando o seu contentamento ou satisfação (no caso das manifestações de apoio) ou demonstrando o seu desagrado relativamente a medidas governativas (como foi o caso em relaçao aos chapas). Portanto, se retirarmos os actos de vandalismo que ocorrem a cada vez que há uma manifestação no país, em minha opinião deviamos insentivar esse exercício. Acho que é uma das formas de exercermos a nossa cidadania demonstrando a quem exerce o poder em nosso nome que estamos, ou não estamos satisfeitos com uma ou outra medida. Em muitos países este exercício é feito vezes sem conta e por diversos segmentos da sociedade.

Uma coisa que devemos tentar fazer é retirar uma lição de tudo quanto aconteceu. Urge uma política de transportes realista e exequível para a realidade moçambicana. Urge a estruturação de um serviço público de transportes que responda aos anseios de todos nós. A quem cabe esse papel? Ao Estado só ou também às autarquias? Será que o papel destas últimas é apenas licenciar chapas ou, também, estruturar um serviço público municipal eficiente?

Enfim são as minhas inquietações.

Mutisse

Júlio Mutisse disse...

Poderia acrescentar ainda que, da sua manifestação, o povo fez recuar o Governo e os transportadores na sua intenção de agravar os preços dos transportes.

Adiamos o problema por mais algum tempo. Mas mesmo que o Governo decida subsidiar, atendendo à conjuntura a que Moçambique não pode estar alheio como país importador de produtos petrolíferos já refinados (não temos ainda uma refinaria no país razão porque os preços do diesel e da gasolina são mais caros aqui do que na Africa do Sul onde existem refinarias) pelo que, em algum momento os preços terão que subir ou ficaremos sem transporte.

É por isso que me custa falar da vitória do povo. Este só vencerá esta guerra quando o Estado e outras instituições públicas como os municípios estruturarem um serviço público de transporte que seja eficiente e que seja a opção nº 1 dos moçambicanos e não a situação que se verifica agora em que são os chapas que fazem o "serviço" que devia ser feito pelo Estado.

Este serviço público permitiria que mandássemos passear os chapas e as suas constantes subidas de preço a acompanhar os preços do petróleo a nível internacional.

O tal serviço público NÃO passa só e simplesmente pela compra de autocarros para os TPM e similares. Passa por estruturar estas empresas e dotá-las de capacidade para gerir e fazer MANUTENÇÃO dos meios postos à sua disposição. Será que isso acontece? Me parece que não.

Lázaro M.J.D.M Bamo disse...

Caro Mutisse

É com muita satisfação que entro em mais um ângulo de abordagem social consigo, a verdade manda-me dizer que estamos perante uma nação que ainda é muito jovem e com muitas dificuldades, dai que algumas regalias "caprichos" deviam ficar para os próximos tempos. Vi um debate aceso ontem na STV, e vinha naquela sabia discussão, alguns pontos por si levantados no post, estou a falar do facto do governo ainda não ter despertado a sua consciência e colocar mais autocarros para movimentar as massas, continuamos a depender do chapa cem. infelizmente temos pessoas que não sabem qual é a dor de tirar dinheiro de bolso para comprar carro, muito menos para fazer sua manuteção e/ou comprar combustivel, são essas pessoas (menorias) que nas palavras de Edson não estavam preocupadas com a subida e muito menos se identificavam com os apelos populares, estavam mais interessados e estancar a ressaca do longo fim de semana.

Bom li a República de Platão e vi que o Hiperurâneo era uma autêntica utopia, li algo sobre socialismo/comunismo e vi que tudo era utopia, dai que dificilmente poderei falar da existência ou não de uma sociedade equilibrada.

Que seria do mundo sem pobre? Sem rico? Sem a classe média? Quem iria servir a quem se todos fossemos iguais? A divisão das classes justifica-se pela necessidade de haver quem deva servir ao outro. Que seria por exemplo das nossas ruas sem os varedores? Que seria do emprego dos varedores sem não houvesse que sujasse as ruas? Que seria do mundo sem prostituição/prostitutas? Que seria de alguns homens? É uma série de questoes que me levam a crer que as diferencas sociais de a sua razao de ser, o alarmante porém é existerem grandes diferenças, tal como é o nosso caso, onde há indivíduos muito ricos e outros extremamente pobres.

As tensoes sociais surgem a partir da insatisfacao caro Mutisse, veja o titulo do meu blog, é verdade que no gozo das suas mais elementares liberdades o povo torna-se forno para fomentar e criar oportunistas como está a acontecer em alguns pontos do país.

Há quem não se juntou as manifestações talvez porque não concordava com os moldes, assim como houve gente que aproveitou para açambarcar.

Urge meus caros, adoptar um emcanismo para assegurar a participação pública na tomada de decisões como forma de mitigar eventuais turmultos. É preciso que a participação pública seja tomada em consideração na tomada de decisões e definição de estratégias.