Morreu na madrugada de domingo no hospital central de Maputo o músico moçambicano João Paulo, vitima de doença, cuja carreira foi marcada pela interpretação de vários temas e gêneros musicais, com maior destaque para o blues. João Paulo, era detentor de uma incontestável voz de ouro, e durante a década 1960/70 foi vocalista e líder do agrupamento musical “Os Monstros”, que tinha como estilo predilecto a “soul music”.
Nos últimos tempos JP mostrava-se de certo modo desapontado, particularmente pelo desempenho pouco profissional das pessoas que têm como responsabilidade promover o trabalho dos músicos em Moçambique.
Antes de ingressar para o mundo da música, João Paulo passou pelos campos de futebol, tendo jogado na década 60 no então Sporting de Lourenço Marques, o actual Maxaquene, como júnior, porque nessa época era sonho de qualquer jovem tentar chegar aos patamares alcançados por ídolos e figuras incontornáveis do nosso futebol que, aliás, atingiram patamares ao nível mundial ao serviço de Portugal.
Estamos a falar de Eusébio da Silva Ferreira, ao Mário Coluna, Vicente Lucas, Costa Pereira, apenas para citar alguns exemplos. Esteve integrado no mundo da bola até que contraíu uma grave lesão durante um jogo amigável no antigo bairro Indígena (Munhuana), e a sua mãe nunca mais quis que ele voltasse a tocar na bola, pondo fim à uma carreira ainda emergente.
Muitos não conheciam esta faceta da sua vida. Para compensar este desaire, e porque era muito religioso naquela altura, e porque então fazia parte do grupo coral da Missão Suíça, onde descobriu a sua vocação e paixão pela arte de cantar, pela mão do grande músico moçambicano Gabriel Chiau, recebeu as primeiras lições que acabariam por ditar a frequência das suas aparições no mundo da música em Moçambique e além fronteiras.
Trilhou esses caminhos com grandes figuras que hoje são grandes dirigentes políticos, casos dos doutores Eneas Comiche, Joel Libombo, Inácio Magaia, e outros. Uma grande força igualmente de Marracuene, sua terra natal, porque os pais de João Paulo e outros familiares que os rodeavam fervilhavam pela música devido à influência que lhes foi imposta pela Igreja. a esse fervor acabou sendo aliado ao gosto que sempre teve pela leitura e arquitectura, o que lhe conferiu que ao mesmo tempo que tentava seguir com seriedade o percurso da música, com apoio de grupos como o Djambu e João Domingos, acabou fazendo no Instituto Victor Ribeiro o curso de desenho civil, outra sua grande paixão, facto que apenas foi possível graças a apoios multiformes que teve na altura do arquitecto Márcido Guedes, um dos mentores da cidade de Maputo.
Sua paixão pela música começou quando um tio seu lhe ofereceu um disco de Ray Charles e de um músico argelino que dizia numa das canções que África era para os africanos, Europa para os europeus, a América para os americanos e Ásia para os asiáticos. Foi então quando começou a ganhar consciência de quão penosa era a colonização a que estávamos submetidos pelos portugueses.
Nessa altura João Paulo já ouvia falar com alguma insistência de figuras como Patrice Lumumba, Kwame Nkrumah e do grande poeta e dirigente senegalês Leopold Sedar Senghor. Esta foi a razão que o levou muito cedo a adoptar um estilo de música com tendências afro-americanas.
Muita gente acredita que João Paulo começou a cantar nos Monstros. Mas ele teria dito numa entrevista que teve oportunidades que então lhe foram dadas pelo conjunto João Domingos e pela orquestra Djambu, no início da década 60. Eles viam nele alguém que merecia uma oportunidade para se lançar efectivamente na música. Só no início da década 70 é que funda-se os Monstros na companhia do Adolfo viola baixo, com Arlindo Malote na bateria. A música era um hobbie para ele porque trabalhava na construção civil, no Prédio Santos Gil.
Suas aparições em espetáculos marcaram várias noites de Maputo, com destaque para o Café bar Gil Vicente, Shithapenns na Matola, Miau-Miau em Xai-Xai entre outros locais.
Nos últimos tempos João Paulo não escondia seu desapontamento em relação a forma como os músicos estavam a ser tratados tendo chegado a dizer que ele não vivia mas sim sobrevivia. Apelava o governo a ser mais actuante neste âmbito, concebendo que a actividade musical é de um contributo inestimável para o país e para o povo. Que os músicos desempenham igualmente um papel determinante na busca de soluções para a melhoria de vida, mas estes estão pura e simplesmente votados ao abandono.
João Paulo afirmava que as coisas podiam estar muito melhor do que estão hoje, se efectivamente tivéssemos empresários com qualidade, infelizmente não é o que está a acontecer, para a frustração total da classe, daqueles que efectivamente encaram a música com a necessária responsabilidade.
Os restos mortas de João Paulo vão a enterrar quarta-feira, dia 20 do mês em curso no cemitério da Lhanguene antecedido pelo velório na Associação dos músicos moçambicanos.
João Paulo morre aos 59 anos e deixa dois filhos, Ico produtor musical radicado na vizinha África do sul, trabalhou na produção do primeiro disco do rapper moçambicano Simba intitulado Run and Tell Your Mother e Paulo Wilson radicado na Espanha, que tal com o irmão vai fazendo a sua careira musical.
2 comentários:
Viva a Republica...Ate Picasso nunca pagou imposto...O maralhao...sao algubns "ditos" que nao irei esquecer dese homem das noites do Gil, Xima e nos concertos "Natl do Doente" no Hospital Central de Maputo. JP sabia nao so cantava, comunicava com a plateia, os seus "shows" eram aulas sobre a Historia do BLUES...levava aplateia a viajar pelos cantos da origem do Blues, cantava porque gostava de ver o mundo alegre...Ate Sempre JP
Pena nao ter registado o seu legado em disco. Espero que isto desperte as editores e os empresarios. E preciso apoiar os imbondeiros ainda vivos!
Descanse em Paz John John!
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